quinta-feira, 21 de julho de 2011

LEGALIDADE DOS AGENTES DA AUTORIDADE DE TRÂNSITO MUNICIPAL ATENDEREM ACIDENTE DE TRÂNSINTO EM SC

O consulente suscita dúvida acerca da legalidade dos agentes da autoridade de trânsito municipal atenderem acidentes de trânsito.
O relator emitiu parecer no sentido de que os agentes municipais de trânsito não possuem atribuição legal para lavrarem boletim de ocorrência de acidente de trânsito, incidindo tal encargo, no seu entender, à Polícia Militar, quando o atendimento se dá no momento do ocorrido, e à Polícia Civil, quando o boletim de ocorrência não é confeccionado no momento do acidente. Por divergir do posicionamento do eminente relator, lanço mão deste expediente para aduzir o que segue.

Preambularmente cumpre observar que o relator justifica seu posicionamento em relação ao tema proposto enfocando apenas os acidentes com vítima e a competência para a lavratura do respetivo registro para efeito criminal, olvidando que boa parte dos sinistros ocorridos em vias urbanas municipais geram apenas danos materiais, razão pela qual entendo que o assunto merece ser abordado de uma forma mais ampla. 

Salvo poucas referências esparsas, o Código de Trânsito Brasileiro silencia acerca do objeto da presente consulta o que exige, por parte dos aplicadores da lei, um exercício mais aguçado de hermenêutica para encontrar uma solução razoável.

O foco da consulta é mais abrangente que a simples confecção do boletim de acidente de trânsito do qual tenha resultado alguma vítima. De fato, o consulente questiona a competência dos agentes municipais não só para lavrarem o boletim, mas para “atenderem” os acidentes ocorridos no âmbito de sua circunscrição.
Atender um acidente de trânsito não se restringe a mera confecção de um boletim. Atender significa dar ou prestar atenção; responder; prestar auxílio . Nesse contexto, o atendimento a um acidente de trânsito compreende, num primeiro momento, a resposta ao chamado dos envolvidos na ocorrência, comparecendo ao local para prestar auxílio, sinalizar a via e, se for o caso, remover os veículos danificados. Sob este aspecto não tenho dúvida de que os agentes de trânsito municipais detém, sim, legitimidade para atenderem acidentes de trânsito havidos dentro da área de sua competência territorial, pois essas ações são inerentes à própria natureza da sua função, mostrando-se indispensáveis para a manutenção da fluidez e da segurança do tráfego urbano.
Admitindo-se a legitimidade dos agentes municipais de trânsito para, no cenário acima delineado, atenderem o evento danoso, corolário lógico é reconhecer sua competência para confeccionarem o correspondente boletim, que nada mais é do que o competente registro circunstanciado da ocorrência, pois é justamente esse registro que servirá de supedâneo aos estudos sobre os acidentes e suas causas, referidos no inciso IV do art. 24 do CTB. 

Se os danos decorrentes do desastre são apenas de ordem material nada do que foi alinhado acima conflita com o que o insigne relator consignou no seu parecer que, volto a insistir, concentrou-se eminentemente nos acidentes com vítima, focando os desdobramentos da ocorrência na seara do Direito Penal e Processual Penal. 

Não obstante, mesmo no tocante aos acidentes com vítima, para efeitos administrativos e civis não vejo que os agentes da autoridade de trânsito municipal careçam de competência para promoverem o respectivo registro mediante boletim de acidente o que, aliás, é uma prática recorrente na maioria dos centros urbanos, principalmente depois da promulgação do CTB, que trouxe consigo o fenômeno que se convencionou chamar de “municipalização do trânsito”. 

Com efeito, a exemplo do que ocorre em Blumenau/SC, é lícito afirmar que os boletins de acidente elaborados pelos agentes de trânsito dos municípios são válidos e amplamente aceitos, inclusive pelo Poder Judiciário (vide 2ª Câmara de Direito Civil do TJSC, Apelação Cível n. 99.020022-1, de Blumenau, Rel. Des. Gaspar Rubik, j. 16/07/2008; 1ª Câmara de Direito Público do TJSC, Apelação cível n. 2001.002859-5, de Blumenau, Rel. Des. Volnei Carlin, j. 03/10/2002). Em Blumenau, aliás, se o condutor envolvido em acidente de trânsito contatar a Polícia Militar para comunicar a ocorrência, o atendente, invariavelmente irá aconselhá-lo a acionar a Guarda de Trânsito Municipal para efetuar o registro e, se tiver vítima, a contatar o Corpo de Bombeiros. 

Contudo, reconheço que o desfazimento do cenário da ocorrência, principalmente na hipótese de ter havido vítima fatal, pode ser condicionada à anuência da autoridade responsável por apurar o delito, recomendando a prudência que os veículos sinistrados sejam colocados à sua disposição para perícia. No Estado do Rio Grande do Sul, por exemplo, todo veículo envolvido em acidente com vítima – morte ou mesmo lesão corporal – é recolhido ao depósito credenciado pelo Detran/RS onde permanece, sem ônus para o proprietário, até que seja periciado ou liberado pela autoridade competente. 

Por esta senda, os boletins a que se referem os textos normativos invocados pelo ínclito relator, notadamente o art. 1º da Lei nº 5.970/73; o art. 1º da Lei nº 6.174/74; e os incisos III e V do art. 176 do CTB, dizem respeito à ocorrência criminal - aquilo que algumas instituições policiais chamam de Boletim de Ocorrência Penal - e não ao boletim de acidente de trânsito propriamente dito. Este, enquanto documento destinado tão somente ao registro do evento danoso e suas prováveis causas, pode, indubitavelmente, ser elaborado por agente de trânsito municipal, com base no art. 24, inciso IV, do CTB. 

A intelecção da matéria surge de forma bastante clara pela distinção entre poder de polícia administrativa e poder de polícia judiciária. 

O Código Tributário Nacional define o poder de polícia, em seu art. 78, como sendo a atividade da Administração Pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos.

No parágrafo único do mencionado art. 78, está consignado que: Considera-se regular o exercício do poder de polícia quando desempenhado pelo órgão competente nos limites da lei aplicável, com observância do processo legal e, tratando-se de atividade que a lei tenha como discricionária, sem abuso ou desvio de poder.

A fiscalização de trânsito é ínsita no poder de polícia administrativa, enquanto a prevenção e a repreensão dos crimes (previstos na lei penal) são atribuições que inerem ao poder de polícia judiciária. Não há, pois, óbice legal para que o Agente da Autoridade de Trânsito proceda o atendimento aos acidentes de trânsito, anotando, pra efeitos administrativos, os acontecimentos, reservando à polícia judiciária o registro das ocorrências a ela inerentes.


[Via Cetran]
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